Final da tarde e como todas as
semanas acontece, o Rodrigo* vem à consulta.
O sorriso malandreco
carateriza-o. É alto, com pernas esguias mas ombros largos, como se tivesse
vestido com um equipamento de futebol americano. A sua imagem é muito cuidada.
Bom aluno! Bem, neste momento…
Fala com muito à vontade de todos
os assuntos da atualidade e daqueles que são do seu interesse. É muito curioso
e ativo! Tem necessidade de perceber como vivem os outros para lá da sua
realidade.
Contudo na escola e em casa é
desafiador, tenta passar os limites e tende a mentir…
Quando lhe é feita uma pergunta
mais direta onde terá que elaborar uma resposta que implique as suas emoções ou
comportamentos, sente como uma ameaça e defende-se...
Uma destas tardes durante a
consulta foi “retirando as vestes do futebol americano”, muito devagarinho foi inclinando
a cabeça para a frente até a pousar em cima dos seus braços cruzados na
secretária e aí o seu coração falou…
- Estou cansado! Já estou muito
cansado…
Começou a inclinar-se para o
lado, sentado na cadeira, com uma mão a segurar a mesa e o seu corpo ia em direção
ao chão e ao mesmo tempo em forma de gemido saiu das suas entranhas - Estouuuuu
faaaaaartooooooo…
Consegui ler as legendas que
passavam invisíveis por cima de si e diziam: “sinto-me um derrotado” “não
brilho em nada que faço”, “não valho nada”, “não correspondo às expetativas”… Ao
partilhar consigo, disse-me - Como sabes? Não podes dizer a ninguém…
O dilema interno é intenso e
angustiante e apesar da sua postura aparente passar outra mensagem, dentro vive
falta de confiança, em si e nos outros…
Quem não conhece crianças e
jovens que se manifestam assim?
Aprendem a dominar para não serem dominados, a mostrarem-se fortes para esconderem as fragilidades, a agredir para não ser agredido, a seduzir, a manipular… Apesar de ser desafiante estar
com crianças ou jovens com este perfil, se sustentarmos a sua dor que vem
carregada de mau humor, de agressividade e prepotência, usando o sentido de
humor e a consistência nas nossas atitudes, aos poucos eles ganharão confiança nos
outros e em si próprios.
É preciso não nos prendermos nos comportamentos que mostram, mas temos que atravessar com eles o abismo que colocam entre si e si... Visitar esse lugar muito devagarinho e ficar lá de uma forma verdadeira...
* Nome fictício
Imagem de Jason Rosewell, retirada de unsplah.com
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